
Saúde e saberes ancestrais: uma visita ao Museu da Farmácia do Porto
Outro dia, estive no Museu da Farmácia, no Porto, e foi como viajar no tempo. Entre vitrinas e cenários recriados, pude percorrer séculos — ou melhor, milénios — da história da saúde e da doença, percebendo como o cuidado com o corpo e a alma sempre acompanhou a humanidade, mesmo antes de termos palavras para nomear aquilo que nos afligia.

Percebi que, muito antes do surgimento do ser humano na Terra, a doença já fazia parte do ciclo da vida. Nos fósseis mais antigos, algas, bactérias e fungos unicelulares, com mais de 650 milhões de anos, permanecem marcas dessa vulnerabilidade intrínseca à existência. Até mesmo os dinossauros e mamíferos pré-históricos carregavam nas suas estruturas os sinais do sofrimento: fraturas, inflamações e a chamada artrite, esse "mal das cavernas" que nos lembra como a fragilidade sempre andou de mãos dadas com a força da vida.
Quando os primeiros hominídeos, no Quaternário, se ergueram sobre dois pés e conquistaram a marcha bípede, começaram também novas histórias de saúde e doença. O Homo habilis fabricava instrumentos de pedra, caçava, e passou a comer carne, o que trouxe força, mas também problemas como cáries e doenças inflamatórias. Mais tarde, com a agricultura e a pecuária, a vida sedentária trouxe novas enfermidades — arteriosclerose, pneumonia, cálculos — mas também alimento mais abundante e abrigo mais seguro.
No oriente, as culturas antigas já entendiam a saúde como equilíbrio. No Tibete, ligada ao budismo, a medicina unia diagnóstico pela pulsação, dietas adaptadas, banhos, meditação e uma farmacopeia de mais de mil plantas, minerais e substâncias animais. Na China, a filosofia do Yin e Yang e dos cinco elementos guiava tratamentos com ervas, minerais e até ossos de tigre. No Japão, rituais de purificação e banhos deram lugar a hospitais e farmácias ligadas aos templos, e o contacto com os portugueses trouxe novos medicamentos e técnicas.
O mundo árabe, por sua vez, foi ponte de saberes: introduziu farmácias públicas, xaropes, julepos e refinou o uso das plantas e minerais. Avicena, com o seu Cânone da Medicina, tornou-se referência durante séculos.
Na Europa medieval, foram os mosteiros que mantiveram vivo o conhecimento, cultivando jardins medicinais e cuidando dos doentes. Em 1240, o imperador Frederico II separou oficialmente a profissão de farmacêutico da de médico, um passo importante na história da farmácia.
Com o Renascimento, Paracelsus rompeu com a velha teoria dos humores e inaugurou a iatroquímica, vendo a doença como desequilíbrio químico e tratando-a com substâncias minerais e processos de destilação, incineração e sublimação. Depois, na Idade Moderna, a iatrofísica passou a ver o corpo como máquina, guiada pelas leis da física, enquanto a farmácia misturava remédios vegetais, águas medicinais e medicamentos químicos.
Em Portugal, no século XVII, ainda predominava o galenismo, mas o iluminismo pombalino trouxe reformas importantes: condenou remédios secretos, criou o Dispensatório Farmacêutico em Coimbra e, em 1794, publicou a primeira farmacopeia oficial, mesmo que já desatualizada face à química moderna.

O século XIX trouxe a segunda revolução farmacêutica: alcaloides e glicosídeos extraídos das plantas permitiram medicamentos mais potentes e precisos, morfina, quinina, atropina, cocaína, efedrina. Foi o início da industrialização do medicamento, tornando-os acessíveis em larga escala e transformando a prática farmacêutica.
Caminhando entre as peças do museu, ficou claro para mim que a história da medicina e da farmácia não é apenas uma sequência de descobertas científicas. É também uma história de tentativas, crenças, intuições e observações, um fio contínuo que liga o instinto do caçador que mastigava folhas para aliviar a dor ao farmacêutico moderno que manipula substâncias purificadas.
E, apesar de toda a evolução, o coração do ato de curar permanece o mesmo: observar, compreender e respeitar os ritmos da natureza e do corpo. Porque a saúde, afinal, é mais do que a ausência de doença, é presença, equilíbrio e conexão com a vida.

Deborah Peres
Coordenadora Editorial
Criadora de Conteúdo e Redação
Idealizadora do projeto Naturamente
Finalista em Naturopatia – COOPMIC Portugal
Instrutora de Yoga em formação - Yoganaya International School
Esteticista e Cosmetologista – UNIC Brasil
Formação complementar em Coaching de Saúde e Bem-Estar: Abordagem Integrativa
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Idealizadora do projeto Naturamente