
Psicobióticos na depressão: onde estamos na investigação?
A depressão é uma das principais causas de incapacidade a nível mundial, afetando milhões de pessoas de todas as idades e contextos socioeconómicos. Esta condição não apenas diminui a qualidade de vida dos indivíduos, mas também tem um impacto económico significativo devido ao aumento dos custos de saúde e à perda de produtividade laboral. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, até 2030, a depressão será a principal causa de carga global de doença, superando as doenças cardiovasculares.
Na Europa em 2023, existiam 50 milhões de casos, com Portugal a ocupar o 5º lugar com mais ocorrências. Estamos a falar de cerca de 8% da população nacional diagnosticada com algum tipo de depressão (Sistema Nacional de Saúde, 2023).

Caracterização e diagnóstico
Uma das maiores questões na literatura científica relativamente à depressão é a definição clara da mesma. Longe de se referir a uma só doença, o termo médico "depressão" assemelha-se mais a um termo guarda-chuva que engloba diversos transtornos, como o transtorno depressivo major, o distúrbio bipolar, o distúrbio afetivo sazonal, a distimia e a depressão pós-parto. Apesar de estes distúrbios possuírem sintomas em comum, distinguem-se como entidades nosológicas distintas, sendo a doença mais comummente chamada "depressão" o transtorno depressivo major (MDD). Este rigor é necessário de forma a garantir a precisão da investigação científica.
O transtorno depressivo major é diagnosticado a partir de um conjunto de 5 sintomas descritos no DSM-V (5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), em que dois têm de estar forçosamente presentes, a saber o humor deprimido durante a maior parte do dia, e a diminuição acentuada do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades durante a maior parte do dia (American Psychiatric Association, 2014).

Fisiopatologia associada ao eixo intestino-cérebro
As causas do transtorno depressivo major continuam a ser inconclusivas, existindo várias hipóteses propostas para a sua fisiopatologia. As teorias apresentadas de seguida têm como premissa o envolvimento da microbiota intestinal nesta patologia. Atualmente, pensa-se que o mecanismo fisiopatológico da depressão via eixo intestino-cérebro (GBA) esteja relacionado com:
• A ativação excessiva do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal (HPA);
• A redução de monoaminas (hipótese monoaminérgica);
• A redução dos níveis de fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) (hipótese neurotrófica).
A inflamação ocupa a posição de pedra angular na fisiopatologia da depressão, apesar de o seu mecanismo ainda não ser totalmente claro. Sabe-se que a depressão é tipicamente caracterizada pela expressão aumentada de citoquinas pró-inflamatórias, como a IL-1β, IL-6, TNF-𝛼, bem como o IFN-𝛾 e a PCR (Kawai et al., 2001). Por isso, dos vários mecanismos explanados de seguida, a inflamação ocupa um lugar central para o entendimento da fisiopatologia da depressão.

Começando pelo eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal, este constitui um mecanismo de feedback cuja função é controlar a resposta ao stress. Em indivíduos normativos, as pressões emocionais, fisiológicas e ambientais provocam o aumento sistémico de citoquinas pró-inflamatórias, que, por sua vez, levam à libertação da hormona libertadora da corticotrofina (CRH) por parte do hipotálamo. Os níveis aumentados de CRH estimulam a adeno-hipófise a produzir a hormona adrenocorticotrófica (ACTH), o que leva ao fabrico de glucocorticoides, do qual se destaca o cortisol, responsável por mais de 90% de toda a atividade glucocorticoide(Machado, 2018).
O pico dos níveis de glucocorticoides leva o neurónio pré-sináptico a recaptar mais glutamato e a convertê-lo em ácido γ-aminobutírico (GABA), sendo este último libertado na fenda sináptica e ligado aos recetores de GABA dos neurónios pós-sinápticos, resultando na diminuição da secreção de cortisol (Suda & Matsuda, 2022).
Por outro lado, sabe-se que indivíduos com depressão possuem valores de GABA inferiores ao normal, não existindo um controlo eficaz dos níveis de cortisol (Carroll, 1981), o que contribui para o desenvolvimento de inflamação periférica, podendo alterar as populações da microbiota intestinal (Łaniewski & Herbst-Kralovetz, 2022).
Esta alteração contribui para o crescimento de bactérias gram-negativas, cujos lipopolissacarídeos (LPS), provenientes das suas membranas celulares, constituem endotoxinas que, ao passarem para a corrente sanguínea, podem desencadear uma ação imunitária através dos recetores 4 tipo Toll (TLR4) (Kawai et al., 2001). Os fatores pró-inflamatórios atravessam a barreira hematoencefálica e ativam a micróglia. Esta última liberta espécies reativas de oxigénio e nitrogénio, que danificam o epitélio do cérebro e provocam neuroinflamação, que pode conduzir a uma doença mental (Doney et al., 2021). Desta forma, é novamente estimulado o eixo HPA, exacerbando a sua hiperatividade, podendo levar a comportamentos depressivos (Sonali et al., 2022).
O próprio metabolismo do triptofano é alvo de diversas perturbações perante uma depressão induzida por inflamação. Os fatores pró-inflamatórios ativam a atividade enzimática da indoleamina 2,3-dioxigenase (IDO), cuja função é degradar o triptofano em quinurenina (KYN) em vez de em serotonina, reduzindo as concentrações desta última (Peirce & Alviña, 2019). Além disso, os mesmos fatores pró-inflamatórios perturbam a enzima tetra-hidrobiopterina (BH4), que converte o triptofano em 5-hidroxitriptofano (5-HTP), o que pode conduzir a problemas na síntese da serotonina e dopamina (Miller & Raison, 2015). Aliás, muitos dos antidepressivos têm como função aumentar a recaptação ou inibir a degradação de monoaminas, de forma a mantê-las em utilização.

Vale a pena ainda discorrer sobre o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), uma neurotrofina reguladora do crescimento e plasticidade dos neurónios e sinapses. Sendo amplamente distribuído pelo hipocampo, o BDNF aumenta a plasticidade sináptica, mantém e promove a diferenciação e regeneração de vários neurónios, em especial nesta estrutura. Antes de maturar e se tornar BDNF, é sintetizado como pró-BDNF, que possui características indutoras de morte neuronal e poda sináptica (do inglês synaptic pruning, tratando-se de um processo de eliminação sináptica que ocorre naturalmentedurante o desenvolvimento pós-natal, e que pode ser acelerado em casos patológicos). O processo de maturação é dependente de enzimas fibrinolíticas, que são convertidas a partir do fibrinogénio na presença do ativador do plasminogénio tecidual (tPA). O tPA pode ser inibido pelo inibidor-1 do ativador de plasminogénio (PAI-1), levando à acumulação de pró-BDNF.
Sabemos que pacientes deprimidos possuem níveis mais baixos de BDNF, e que o tratamento a longo prazo com antidepressivos pode aumentar os seus níveis (Martinotti et al., 2016). No entanto, os psicobióticos têm a capacidade de restaurar os níveis de pró-BDNF e BDNF em diversas regiões do cérebro (Dehghani et al., 2022). É possível que o restabelecimento da microbiota intestinal possa contribuir para níveis mais altos de BDNF, com um efeito modulador do comportamento.

Tratamento do transtorno depressivo major com psicobióticos
Sabe-se que 40% dos pacientes com depressão são resistentes ao tratamento, havendo necessidade de inovar na procura por uma solução. Dinan et al. introduziu o termo "psicobióticos", que constituem organismos vivos que, quando ingeridos em quantidades adequadas, produzem benefícios para a saúde de pacientes que sofrem de doença mental. (Dinan et al., 2013).
Recentemente, diversos ensaios clínicos aleatorizados têm demonstrado que o uso de psicobióticos pode aliviar os sintomas depressivos em indivíduos diagnosticados com depressão. A hipótese mais apontada para este efeito é a capacidade que têm de aumentar os níveis séricos de BDNF (Dehghani et al., 2022).
Os psicobióticos conseguem produzir serotonina, ácidos gordos de cadeia curta e BDNF por si mesmos ou indiretamente, atuando nos recetores do epitélio intestinal EGFR (recetor do fator de crescimento epidérmico), CREB (fator de transcrição de genes que se liga ao cAMP), Nr3C1 (recetor de glucocorticoides), etc. Além disso, os psicobióticos regulam a produção de muco através da zonula-occludens-1 (ZO-1), ocludina e claudina-1, e diminuem a inflamação.
Os psicobióticos conseguem ainda regular a função cerebral e aumentar a função neurológica através do nervo vago, da via do GLP-1, etc. E levam o sistema imunitário a produzir fatores anti-inflamatórios, aliviando a neuroinflamação e diminuindo a hiperatividade da micróglia e do eixo HPA. Além disso, níveis mais baixos de xantinas e maior produção de geraniol levam a um decréscimo na inflamação.

As estirpes mais amplamente utilizadas nos ensaios terapêuticos são Lactobacillus spp., Bifidobacterium spp., Clostridium spp., Enterococcus spp., e Akkermansia spp.Apesar de promissora, a pesquisa acerca da terapêutica com psicobióticos necessita de consolidar a robustez do seu nível de evidência. É necessário mais entendimento sobre os mecanismos de ação das várias estirpes isoladas, bem como de possíveis sinergias das mesmas, além de haver necessidade de estudos com durações mais longas, e populações diversificadas. A literatura existente continua a mostrar que é preferível o tratamento com o fármaco e os psicobióticos do que o tratamento com apenas um dos componentes (Nikolova et al., 2021). Este facto abre portas a um modo de pensar mais integrado da saúde do paciente, onde será importante a sua estabilização neuronal, mas também a recuperação do equilíbrio do eixo intestino-cérebro, onde é necessária a modulação das estirpes microbiológicas, além do estabelecimento de um plano alimentar e de estilo de vida que prolongue o efeito dos psicobióticos.
OBS; Caso tenha interesse nas referências bibliográficas mencionadas neste artigo, por favor, entre em contato conosco pelo e-mail cuidenaturalmente@gmail.com, teremos o maior prazer em fornecê-las.

Tiago Chança
Autor do Artigo
Naturopata | Saúde Funcional Integrativa
Especialização em Nutrição Ortomolecular e Psiconeuroimunologia
Instagram: @tiagochanca.saude